quinta-feira, 30 de abril de 2009

Total

Tem gente
que não sabe beijar
sem dizer: te amo.
Tem gente
que diz: te amo
sem saber beijar.
Tem gente
que compra beijos!
E eu?
Eu amo o mundo inteiro
quando você me beija.
Vane Pimentel

domingo, 26 de abril de 2009

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Cecília Meireles

sábado, 25 de abril de 2009

Auto-Retrato

Ao nascer eu não estava acordado,
de forma que não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamentos e palavras namorei noventa moças,mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, umabridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que escrevo é invenção;só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio:- Sem moscas
na boca descampada!


Manoel Barros